terça-feira, 20 de outubro de 2009

Eu gosto do Rio de Janeiro
(da Zona Sul)
Você gosta de São Paulo
(na Vila Madalena)

-Que pena.
-Vai tomar no cu

sábado, 19 de setembro de 2009

29 de fevereiro

Logo ao acordar, fui comprar pastéis, falei ao telefone com meu primo, e abri conta numa nova locadora de filmes. Dei boas risadas por esquecer de pagar os pastéis. A balconista da locadora se chama Ana Paula.

Foi um dia inesquecível. Joguei futebol e fiz o gol do meu time, além de ver meu melhor amigo. Do campo pro trabalho, e como é bom lembrar que, seja o que for, trabalho com o que sempre sonhei, e até parece que meus planos eram mesmo infalíveis.

Tive um presente de noite, por poder jantar com minha mãe, com meu padrinho, sem me preocupar com nada. Era aniversário de morte do meu avô, mas isso na verdade me esquenta por dentro. Um amigo do Rio me liga, está por aqui e quer me ver.

Pessoas querem me ver! Furei. É bom ter com quem furar. Até parece que sou atarefado. Comi o que mais gosto de comer. Nesse fim de semana o Palmeiras não joga, e faz algum tempo que eu nem queria mesmo.

Em casa, me peguei assistindo ao filme que aluguei, e a mãe, e o padrinho, e a cã, todos dormindo leves ao meu redor. Me enxerguei saudável, jovem, e com um dia perfeito, e feito por mim, não pelo acaso, encerrado.

O filme mostrava uma vida caótica de um menino bom. Que passa um ano no hospício e só assim é capaz de chorar com uma vista bonita. Sabe, eu posso não causar emoções arrebatadoras na vida dos outros, tampouco causo na minha.

Mas é que eu sou só isso mesmo. Devia ter nascido num 29 de fevereiro. Por um momento está tudo perfeito, embora minha grana não me permita uma viagem prometida e meu trabalho me impeça de isso ou aquilo, pouca coisa.

Por um dia. Não sou de fases longas. Sou de dias. Um aqui, outro lá. Hoje foi um baita dia. No além e na terra, no campo e na sala de casa. Na cabeça e no coração. Mas esses baitas dias sofrem aquilo que você sabe: a desaceleração.

Quando eles terminam eu sento na cama e desacelero. E sinto uma dor traumatizante. A desaceleração de um dia é um dejavú de minha vida. Resumidamente, o dia acaba e eu estou sozinho.

Não que isso seja um problema. Mas é, quando tu te faltas a ti mesmo. Nunca gostei de ir dormir, porque é a hora da solidão completa. Mas entre um tênis e outro que tiro do pé, noto que toda essa perfeição não me conquista.

Falta algo que não se explica. E não sinto isso em desespero, ou chorando, ou pedindo a deus pra ser diferente. Eu constato, seco, e só.

O dia poderia ter sido muito pior, contanto que eu não sentisse isso sempre que fosse tirar as meias dos pés. Eu trocaria.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Setembro

Chegou setembro. Hora de achar uma hora pra passar na minha rua e visitar a amoreira que plantei em frente à antiga casa. Me sinto um insensível se deixo passar um ano sem visitá-la, mas sou insensível de toda forma, porque nunca desci do carro nas visitas.

O asfalto não vai ser como era se eu pisá-lo agora. Se eu acender um cigarro e contemplar, nada há de acontecer com o palato que sente aquelas amoras tão mortalmente reais em dias impossíveis.

Mas eu poderia, claro, ao menos olhar pra ela, ou pra sombra dela. Espiar o portão da Dona Terezinha, talvez tentar saber se ela está viva. Não deve estar. Nem os sonhos do neto dela, de ser piloto de avião. A amoreira, entretanto, aparentemente está viva e saudável.

Lembro que plantei. Reguei. Dona terezinha ensinou. Depois disso me foge qualquer lembrança, até que eu apareça já grandinho. Ela era a marca, a estrela da rua. Nunca paguei um centavo para ter amoras. Ela me servia. Como serviu a centenas, milhares, velhos e crianças.

Eu poderia descer do carro, correr e subir nela. Encher as mãos de amoras. Não faço, porque sei que a vida já ficou previsível demais pra mim. Tudo morre um pouco quando você encontra numa prateleira.

Não subo na amoreira porque não vai ser divertido como era.

Mas também não posso esquecê-la.

Não posso ser curioso sobre o que já perdeu a magia.

Já já chega dezembro, e sinto o mesmo com o mar que um dia mergulhei.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Afavordições

E por sobre as lágrimas, concreto
Fechando a fonte das tristezas
E por sobre as dúvidas, decretos
Pintando tudo com certezas

E por sobre os risos, os martelos
Estraçalhando as ilusões
E por sobre os sinos, violoncelos
Melancolizando as emoções

E por sobre nós, nada de novo
O mesmo sol e a mesma lua
E por sobre vós, nenhum socorro

Nenhuma polícia em vossa rua
Sobre nós todos a mesma contradição
A mesma vontade de afirmar dizendo não

domingo, 23 de agosto de 2009

Ajeitando a difícil balança dos desejos

Sem prejuízo da minha sanidade, eu quero amar. Sem ficar cego ou ficar mudo, eu quero ouvir. De cada música, uma nota que seja. A mais bonita. Ou a mais feia, a mais torta, mas que me toque. Sem ceder em nada da minha pureza, eu quero sexo. Do tipo que traz urros e arranhões, junto com risos e certezas. Sem abrir mão da minha paz, eu quero a estrada. O néctar que rodeia o mundo, mas volta sempre pro mesmo lugar. Eu quero a incerteza também, mas a incerteza que tem volta pro meu ninho. Sem abdicar de ser livre, eu quero o colo de minha mãe. Sem esquecer da minha auto-piedade, eu quero um choro precioso numa tarde qualquer. Mesmo que seja de sol. Sem deixar pra trás meu metodismo, quero a tontura de um bom álcool pelas veias. Quero a loucura, sem esquecer que eu sou menino bem criado. Sem lançar mão de hipocrisias, quero abraçar o mundo inteiro. Sem vomitar demagogia, quero ser bom, ao menos na metade do tempo. Sem negligenciar minha poesia, eu quero uma piada bem suja, uma conversa bem rasa, um filme bem não-profundo. Sem apelar pra gargalhada, eu quero um riso constante. Sem afastar as emoções, nem a verdade, eu quero ter, enfim, serenidade.

domingo, 16 de agosto de 2009

Nadador noturno

Um som de piano no ar. Os cabelos molhados, batendo na altura da terceira vértebra cervical. Os pingos, frios, escorrendo na pele que teima em estar quente, ainda assim. É a noite. É o reflexo da lua. É a matéria abstrata da melodia, incomparável, pois nada pode ser tão bonito quanto o que não se toca. A árvore frondosa pertence ao chão em que está enraizada. O quadro pertence à parede em que se fixa, pra que fique visível a nossos olhos. A melodia pertence ao mundo. Pertence ao vento, quem sabe. A cabeça agora se debate, como o corpo de um cachorro após o banho, pra que os pingos ganhem vida, numa tempestade mansa. Olhos fechados pro mergulho. A escuridão é quase total. Mas está lá o sol, do outro lado do mundo, ajudando a enxergar por aqui do jeito mais bonito, pois que sem tanta precisão, sem que precise ofuscar. Um corpo nu brinca na água, do modo mais puro, retrodevolvido ao ventre materno. E se arrepia, mas não é frio, nem medo. É só a emoção do reencontro. É só um corpo, deposto das roupas, chorando por ser outra vez o que foi desde sempre. E nada, desengonçado como deve ser na água um corpo sem guelras ou natatórias. Um corpo humano, na água, no quase-breu. É só isso que ele é. E brinca, enquanto faz poesia sem saber.

* Depois de ouvir "Nightswimming" do R.E.M.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Fotos da Minha Vida - 2

Capítulo 2. Estou eu no meio de uma turma. Eram fisioterapeutas. Depois era uma turma de relaxamento corporal. Acabou sendo uma equipe de teatro. Este é o fim de uma das apresentações.




A Peça, escrita e dirigida por mim, que também atuei, era um musical, com deficientes mentais inclusos, que passava mensagens de superação, luta contra preconceito e rabiscava a real missão d eum fisioterapeuta.

Não sou fisioterapeuta. Fui adotado por esta turma, quase toda de mulheres, para que eu pudesse viver ao menos uma grande história nos meus tempos desempregados e solteiros de faculdade.

Eu queria ter cortado o cabelo. ter comprado uma calça preta menos apertada. A bata branca era emprestada. Não lembro mais o nome de mais da metade dessas pessoas. Nunca soube onde moravam, exceto tês ou quatro. E no entanto fui tão íntimo de cada uma delas que não posso nem medir.

Este era o desfecho. O desfecho de algo que nunca se repetiu. Foram 4 apresentações, mais 2 ensaios gerais, nesse mesmo dia. Saí rouco, fedido, e com a leve impressão de que nunca fui tão feliz por causa de uma realização própria.

Era um Leandro possível, esse do teatro. É um Leandro que sempre insinua-se para renascer. E de certo irá. Minha mãe sorria nesse dia de um jeito que não esqueço. Quero ver aquele sorriso de novo. São poucas as coisas que eu consigo proporcionar à ela.

E diante dessa foto e dessa lembrança, a verdade é que proporciono poucas coisas para mim mesmo. Depois dessas apresentações, o grupo se desfez. Minha única tatuagem nasceu em função disso. Uma lembrança para quando eu ficar velhinho e não lembrar mais tão claramente de cada ato.

Num tempo em que envelheço de forma tão acelerada, ver essa foto me deixa 5 minutos mais novo.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Coisa breve

Pai,
Passei este domingo em ressaca e trabalho. Trabalhando de ressaca. você faria 55 anos neste domingo.

A mensagem vai ser breve. Muita coisa haveria de acontecer se tua cara turca não tivesse se envergonhado cedo demais. Seja como for, tudo aconteceu. "Come back to me", foi a última coisa que você falou pra minha mãe, sua mulher. A última que você falou pra mim, eu não lembro. "Fiquei longe mas sempre te amei e sempre amei tua mãe", você disse. "A pista de Portugal se chama Estoril? Como você sabe?", você também falou. Meu nome foi escolha sua. Homem-Leão. Tenho sido uma fera. Só não sei se serei rei de alguma selva. Nunca somos, no fim, eu acho. Sempre entendi seus erros como coisas tão humanas. Cada dia entendo mais. Não faria muita diferença no curso final das coisas.

Não era pra nada não. Era só pra não passar em branco. 55 anos parece ser uma idade diferentona, cabalística. Todavia, você fez uma senhora falta.

Em frente,
Leandro

domingo, 2 de agosto de 2009

Pouco mais de quatro meses

Bill tem coisas bonitas. Ano passado ele me disse que era seu ano da emoção. Coisas de Bill, quem quiser entender, que entenda, quem não quiser que o chame de louco, ou coisa assim. Mas é interessante essa idéia, de fazer com que essa divisão de tempo que a gente criou sirva pra alguma coisa.
Este acho que é meu ano de filmes. Não foi pensado, nem nada. Foi natural, e não sei por qual confluência de fatores. Eu sou um louco que anota todos os filmes que vê desde 11/04/1996. De lá pra cá foram 1637, até hoje, domingo, 02/08/2009. Claro, sem contar os filmes que revi, que não me dou ao trabalho de anotar. Só valem filmes inéditos, ou que eu tenha visto antes da data inicial da lista. Só neste ano já foram 144. Desde que comecei com esse catálogo, o ano em que mais vi filmes foi 1997. Foram 161 filmes. Ou seja, 2009 corre a passos largos pra entrar pra história do mundo como o ano em que mais vi filmes.
Até 22/08/2007 eu ainda anotava os filmes em um antigo objeto chamado caderno, com a ajuda de um raro artefato chamado caneta. Desta data pra cá passei tudo para um programa de computador, que facilita em muito a vida. Já tinham inventado o computador antes de 2007, mas eu sou uma pessoa conservadora em alguns aspectos. Demorei a me render. O fato é que esse programa cataloga os filmes de forma muito mais rápida, puxando as fichas técnicas diretamente da internet, o que me economiza trabalho. Com isso, tenho tempo pra fazer uma pequena análise de cada filme, coisa que faço sem muito capricho. Portanto esse ano já escrevi 144 pequenos comentários sobre os filmes. Talvez isso explique também um pouco o porquê de eu não estar escrevendo tanto por aqui, por este blog. Talvez. De qualquer forma, não acho que os textos sejam elaborados o suficiente para que eu os publique. Mas não é isso que queria dizer. Queria dizer que o tal programa também tem umas ferramentas supimpas. Descobri há pouco que uma delas soma o tempo total dos filmes que já assisti. Descobri então, um pouco pasmado, que passei 125 dias, 17 horas e 30 minutos da minha vida vendo filmes, desde 11 de abril de 1996. São mais de quatro meses ininterruptos. Não sei o que isso implica, mas tentarei voltar ao assunto em um próximo texto, já que este já está grande demais. Faz tempo que não escrevo, mas ainda sei que texto muito grande não combina com um blog...

terça-feira, 28 de julho de 2009

Músicas da Minha Vida

Esta é a série que abordará algumas canções que me reportam, me levam, me transportam até dias, imagens, passagens que, também por elas, nunca poderei me esquecer. Começa aqui e divide espaço com a programação normal, e com a série sobre fotos, também.

George Harrison - That Is All
Youtube dela: http://www.youtube.com/watch?v=fY3ZvRfMcU0

Se não tive a ventura de viver com meu pai, tive tios lindos pra compensar. O Marcílio, o "Formigão", é o único que se foi, e ele é pai do meu parceirinho de blog.

Não há como ver uma corrida de Fórmula 1 e não se sentar no sofá como se fosse ele. Beatles era sua paixão, e seu inglês era cheio de um sotaque próprio.

Lembro que, depois de muito tempo, falei com ele ao telefone, no dia que o George Harrison morreu. E acho que o assunto era esse mesmo. Harrison era seu preferido, eu acho. Ao menos os dois amavam Fórmula 1.

Esse tio tinha um vozeirão que preenchia a casa. Quando se separou da mulher que amou, perdemos seu convívio. E a história da canção se passa antes de ele morrer, bem antes, na verdade. Eu tinha uns 16, ou 17 anos, não posso precisar.

De vez em quando ouvia música com os vinis na sala. Coloquei esse disco, gostava de umas baladas. Estava tocando essa música, que devia ser a última de um dos lados. E meu outro tio, o Feu, chegou em casa.

Este tio sempre morou comigo, mas sua voz não é tão grave, ele não é assim expansivo. Eu estava distraído mas ele se ateve à música. "Caralho, essa é a música do Formigão", disse ele. E apoiou uma das mãos na mesa de jantar.

Foi a primeira vez que vi meu tio chorar. Discreto, como ele sabe ser. Foi a primeira vez que me dei conta da falta que um parente pode nos fazer em vida.

Porque ele morreu depois, como minha vó e meu vô também já tinham morrido. E não ter recursos para ir contra isso pode ser mais leve. Fiquei pensando que aquela cabeça chorava de uma saudade de dor diferente.

Uma estrada, por mais longa que seja, ou mesmo um oceano inteiro, nos parece, estupidamente, muito mais perto do que a distância entre quem ficou e quem partiu, entre chão e além.

Fiquei no meio de uma canção devastadoramente linda, e um peito saudoso de adulto. Eu era um menino. Mas até hoje me arrepio só de ouvir o primeiro acorde desta.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

1 ano

Querido Bindi,

Faz um ano que nos despedimos.
Não eu e você. Você e todos nós.
Senti saudades em alguns momentos cruciais.
Penso em sua esposa, sua mãe, sua cã.
Relativizar o vazio de quem perde pode ser muito doloroso.
Passou um ano, meu amigo.
Eu tive que sair do trabalho naquela noite.
Tive que explicar quem era você pra mãe, pra mulher.
Chorei no jogo do nosso time, e no meu time de várzea.
Me choquei com sua partida, mais do que poderia supor.
Ainda não entendo a lógica de algumas coisas.
Sua religiosidade me ensinava a não exigir lógica.
Sem opção melhor, Bindi, positivei a saudade.
Coloquei sua conduta como parâmetro pra minha.
Decidi que o que viesse em minha carreira, dedicaria à você.
Deus fez mais. Desenhou uma chance pra que eu prove.
Veja você que temos hoje mais amigos em comum do que antes.
Trabalho, hoje, onde você escrevia, e onde eu te lia, sempre.
É meu começo, e eu não poderia estar mais aquecido.
E suspeito que preciso, mais que dedicar, agradecer você.
É pena que não tenha dado tempo para mais.
Eu precisava, e teria amado, te ouvir mais, mais tempo.
Passou um ano.
Não tenho notícias de ter aparecido um profissional semelhante.
Na minha vida, não apareceu ninguém semelhante.
Por aqui, é como eu já disse um ano atrás.
Vamos em frente.
E mesmo que tudo dê tão certo, tão bem, tão lindo,
seria melhor com você.
Tua falta é cala um segundo de cada grito alegre meu.
Como tantas ausências nos deixam passos atrás.
O saldo, contudo, é positivo.
Você tem asas, meu amigo.
Ontem, o Palmeiras perdeu. Roubado em Goiás. De novo.
Esse foi o último jogo que viu, aqui conosco, ano passado.
O mesmo script.
Pra te mostrar que algumas coisas nunca mudam.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

As Fotos de Minha Vida - 1

Começa aqui uma nova série. Fotos de minha vida. Pensei nisso quando peguei uma foto que não sabia que existia.

E que é esta da abertura.

De sentido forte, pesado, até. A série vai abordar momentos dos mais distintos. E, como em outras séries já feitas, tentará ser absolutamente sincera e vulnerável.

Pois vai retratar momentos, e não o presente. São retratos, afinal de contas.

Não sabia, e não a vi sendo tirada. Trata-se do fim do Carnaval de 2009, ápice do meu trabalho, cujo qual esperava por todo o ano. Me recordo perfeitamente desse momento. De ter encostado nessa grade. Minha canela e pés estavam molhados. Eu, exausto, em erupção.

Meu cabelo começava a crescer. Eu o havia raspado, quando uma sucessão de coisas invadiram minha cabeça - o cabelo, que tanto me apego, pagou o pato -, e eu desesperei. Resumidamente, num período curto de tempo, minha vida estava normal, e tornou-se ideal, e desabou para o mais caótico patamar.

Nos 5 meses entre hoje e esta foto, já cresci uns 15 anos, então já estou maduro pra escrever sobre isso sem fricotes e coitadices: eu tinha perdido minha noiva.

Foi duro, é óbvio. Deus sabe de minhas noites no hotel em que ficava confinado nos dias do Rei Momo. Foi a única vez na vida que, admito envergonhado, pensei concretamente em acabar com tudo. O carnaval não me deixou respirar. Trabalhei vertendo lágrimas.

E não era só isso.

Era o meu último carnaval como assessor de imprensa. Precisava de algo maior, pela vida que projetava, pra ter dinheiro, pra apostar, correr um risco. Era a hora certa. mas alí, na avenida vazia depois da última escola de samba, eu senti o vazio.

Fui buscar minha mochila na sala de imprensa, e, voltando, parei onde estou na imagem. Alí é o camarote. Onde tanto trabalhei, tão sujo e com pessoas felizes, entre elas mamãe, mas eu não queria entrar lá e tomar meu merecido chopp. Foi um tsunami, a seco.

Sabia que ia me demitir nos dias seguintes. As obrigações saíram de minha frente. E não havia mais nada. Não era capaz de imaginar como seria chegar em casa depois de 6 dias. Em 6 dias, violentei um banheiro de hotel, fui covarde e agredi um sujeito comum, e ninguém ficou sabendo.

De lá pra cá, aprendi a dobrar os joelhos, pra pedir paz interior, e, se desse, pras coisas ficarem parecidas com o que eram. Tomei um porre de cair - e caí - , chorei de rolar na calçada debaixo de um dilúvio, e ninguém soube. Viajei, comprei uma coisa que sonhava, descansei sem culpa, e o tempo foi passando. O cabelo crescia e eu não punha a mão. Duvidei do jornalismo, como duvidei de mim mesmo.

E, depois de tudo, é que fui descobrir essa foto. Foi um arrepio. Esse momento é daqueles em que há um "rec" na mente. Eu estava desolado, na verdade. Mas orgulhoso de não ter deixado ninguém na mão.

Eu tinha sobrevivido. Só não sabia o que iria ser dalí pra frente. De certa forma, ainda não sei. Mas naquele momento, eu só conseguia pensar que a minha vida, depois que eu me descolasse daquela grade, não seria mais da forma como eu a conhecia.

Como, de fato, não foi.

É a imagem do fim da época mais legal da minha vida.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Redentor

Eu já me perguntei tanto que nem sei.
Coisas a meu respeito,
sobre porquê tudo tem que ser tão difícil o tempo todo.
Lembro de um menino que tinha medo de morrer.
Lembro de como eu ria,
vejo no que eu me transformei,
e como seis meses podem passar tão rápido.
E como podemos ser tão inábeis.
Continuo caótico.
Perdi a cara de criança.
Gostava de imaginar que crescer era,
antes de tudo, conduzir algo, alguma coisa.
Mas a gente só é levado, induzido.
E isso é mais do que só sorte ou azar.
Me pergunto mesmo qual a lógica,
qual ensinamento eu posso tirar de mim mesmo.
Se apanhando assim eu vou estar preparado.
Se perdendo eu vou aprender a ganhar.
Acontece que chega.
Já ganhei coisas na vida.
Não são tão boas assim.
Não tão boas a ponto de tanto se jogar,
e se jogar, e se jogar, e se jogar,
por deus, já tenho sequelas suficientes.
O empate faz mais sentido.
Tem a ver com meu signo. Prevê igualdade.
E eu sempre detestei ser desigual.
Mas eu gostava de ter sonhos.
Acreditava na redenção, minha e de quem eu quisesse.
Não existe redenção.
Não enquanto eu quiser que tudo tenha sentido.
Ser a mãe de mim mesmo e ignorar meus erros
seria um facilitador importante.
Minha redenção é sair do jogo.
ha ha ha, não me proponho mais, estou fora.
Sem jogo, sem derrota, sem vitória, sem desgaste.
O que vier, é inesperado. Não tem o oposto disso.
Hoje sou mais áspero, mais espesso,
mais espinhoso. Mais sozinho.
Mais sério, menos móbil, menos hábil.
É resultado de uma estranha soma entre o que fui,
comparado ao que queria ter sido.
Não quero ser nada. O que rolar, rolou.
Seja o que for, era melhor não ter tentado.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

nham

Um em cima do outro,
grosso e fino,
complemento e mimo.

dois em um,
um com o outro,
um sem outro é
dois nenhuns.

corpo quente no colchão,
olhos virados,
delírio sem nexo,
enquanto, num urro,
ronco igual leão.
(que foi, achou que era sexo?)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

sem textos prontos

Quisera eu ter os olhos bem redondos e iluminados, dourados pelo pôr-do-sol ideal. A pele úmida e a palavra certa pra dizer. Quisera eu que houvesse um diretor cuidando de minhas cenas mais importantes. O que é fundamental acontece num metrô em obras, numa noite fria e sem graça, num momento de pressa, de timidez, a palavra sempre falta, e nunca falta no filme.

Eu não faria questão de terminar bem, num beijo bom e molhado na mulher cheirosa que me roubaria a cena nas ruas, ou no trailer. Não faço questão que a cena me seja de amor. Podia ser meu amigo indo pra Austrália, apenas isso. Só queria que não me faltasse a palavra. Ela me falta, como me falta o close e a chance de um remake.

Me faltar a palavra é como me faltar a alma. É como me faltar as mãos pra comer um abacaxi. Quisera eu estar ofegante e isso dizer tudo. Se eu estou ofegante, estou perdido, ninguém há de me interpretar. Eu quero dizer alguma coisa, e quero que esta coisa faça sentido. Mentira, quero que esta coisa convença. Mentira, quero que esta coisa me traga o que eu quero. Tantas mentiras me aparecem pra dizer e a verdade, que resolveria tudo, não é capaz de sair pela boca.

Todo meu desejo, tão forte, não é capaz de me impelir a buscar equilíbrio com as palavras. Desabafo aqui, floreio alí, insinuo de noite, pondero de dia. E o amigo indo pro avião, a mulher se perdendo no horizonte, o pôr-do-sol virando breu. Tenho raiva do cinema. Quisera eu não dizer nada, só olhar, ser acompanhado por uma bonita música. Acordes finos e acústicos, depois uma bateria leve, uma voz rouca, lembranças de uma canção que faz dançar, tudo é frágil e nobre desde então.

A canção nunca falta. Um bom motivo para tudo também não, e onde estão os meus? No mundo real, meus momentos poéticos são vazios, um cinema vazio. Só sou visto em momentos práticos, rápidos, ou você é claro ou não é compreendido. E eu não sou claro. Meus textos não são prontos.


Aprendo
a falar mais,
ou, mudo,
jamais mudo.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

retrato feliz

Sempre que vejo
Uma família feliz,
não vejo coisa e pessoa -
é tudo uma coisa só.

O gato brinca de bola com a vovó.

Ou será que, de fato,
é a bola que brinca
de vovó com o gato?

domingo, 7 de junho de 2009

Meus mortos

Atendi dia desses, no trabalho, uma Dona Lucy. Fiz questão de dizer o nome dela: "Pois não, Dona Lucy", com gosto. Nem sempre digo o nome dos clientes que atendo. São muitos e muitos, não dá. Mas fiz questão de dizer o nome dela. Fazia tempo que esse nome não soava na minha boca. Lucy era, ou é, não sei ao certo, o nome de minha avó, já falecida. Acho que quando ela se foi eu tinha uns 18 anos.É famosa na família a afinidade que nós tínhamos. Vovó me chamava de "Paixão da minha vida". Não é dizer que ela tinha por mim mais amor que pelos outros netos. Era só um algo a mais, que não sei explicar. Foi gostoso dizer o nome da minha avó praquela senhora que eu estava atendendo, que talvez até, por meandros da minha nostalgia, passou a se parecer um pouco com ela. É estranho quando vamos crescendo e caminhando com nossos mortos dentro da gente. A gente segue vivo e nossos mortos vão se juntando em outro lugar alheio a nós, mas presente sempre, como que formando um pequeno exército fora daqui. Mas seus nomes continuam valendo pra outras pessoas, e às vezes a gente se depara com esses xarás, e espantados nos vemos diante de alguém que, estranhamente, carrega o mesmo tipo de energia. Não é ruim topar por aí com as lucys, os marcílios, as éricas, os genésios, os antônios carlos. É um forma inusitada de reencontrá-los e saber se vai tudo bem, e fingir, sem que ninguém perceba, que falamos com eles, e não com aquele que está, de fato e fisicamente, na nossa frente. Então até logo, Dona Lucy. E muito obrigado.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Cortesia com chapéu alheio

Houve um tempo de minha vida em que não adquiri simplesmente nenhuma calça nova. Quase nenhuma meia, uma ou outra cueca. Um tempo em que não adquiri nenhum hábito realmente novo, não contraí vício por nenuma banda ou bebida nova - e olha que minha banda preferida acabou-se nessa época.

Nesse tempo, lí muito menos do que lia antes, e antes eu era um universitário preocupado em fazer tudo que desse tempo. Quem lê pouco, escreve pouco. Não foi propriamente uma parada no tempo, uma época congelada, mas por um período eu acreditei nessa coisa de ser bacana.

Ser bom de coração, ser simples e tal, relaxar diante da vida. É gostoso, é como parar pra tomar um ar antes de chegar no topo da montanha (eu nunca estive no topo de nenhuma montanha, ok, Cristo). Mas engana um pouco, se eu pudesse dar conselho a algum miúdo, diria pra nunca acreditar em ser um cara bacana, porque a gente é um animal estranho e tem "conceitos", e o conceito do que você é nunca é claro.

O miúdo gurí merece descobrir suas verdades sozinho, ficarei quieto. Mas não é um caso de pessimismo. É um alerta. Quando "você é você mesmo" (que paradoxo...), você só tem um tempo, um espaço, uma referência: você. E ninguém gosta tanto de você assim. Participar das coisas saindo da figura personal é generoso e necessário.

Conselho até pra gente adulta: apostas, com seu coração, não. Antecipe-se. Dê suas reboladinhas, atenha-se a atividades periféricas, antes que suas cuecas envelheçam. Porque no mundo essas coisas se invertem, o quão bacana você é deixa de ser visível quando é preciso estar lendo um livro novo e ouvindo uma banda nova. Quando é preciso mudar alguns hábitos e tomar atitudes que não venham do coração (crescer é isso, afinal, e só sua mãe te quer criança pra sempre).

Coração não é prefácio, não é cartão de visita. É intimidade, é vinho, é momento nobre. Houve um tempo em minha vida que parece intacto. Um tempo em que ao invés de comprar meias, dirigir um carro, me pós-graduar, eu fiquei dialogando com meu coração, prometendo a ele coisas que eu nunca soube, coisas que eu perdi, e coisas das quais eu nunca vou me acostumar em não ter.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Táctil

Fica assim.
Eu, nada convicto,
te sugiro dizer "sim",
só pra que tenhas opção.
É ruim, muito ruim,
só poder chegar ao "não".

Tendo escolha,
diga o que disser.
Lance o garfo, use colher,
beba, rosqueie a tampa
se não for rolha.

Você quer tocar sua vida.
Ser mais livre, mais leve,
fugir do fútil.
Tenho desejos mais breves.
Quero tocar sua vida
no sentido táctil.

Se eu triste atravancava,
era um imundo cansado
de tanto pranto,
feliz, sozinho ou casado,
te quero o tanto quanto.
E que seja o que faltava.

domingo, 24 de maio de 2009

Soneto de um fado antigo

A carícia de uma canção
Ecoando na voz cansada
É o choro de um coração
Onde antes não havia nada

Um olhar brilhando na luz
É um verso nascendo novo
Qual Jesus pregado na cruz
Escreveu pra todo seu povo

E escrever assim, sem palavras
Não é coisa pra qualquer um
É um truque de quem tem asas

De quem não tem medo nenhum
Pois cantando assim à voz rouca
Pões serena a moça mais louca

domingo, 17 de maio de 2009

Amor e estrada

E de verde, os pássaros
Aos montes, cantantes
E de verde, os montes
Aos tantos, aos montes
E de frio, as nuvens
Às tantas, as brancas
E de frio, as ruas
Ao vento, relento
E nós dois, à Lua
À lã, às três blusas
E nós dois, sozinhos
E aos montes, e aos verdes

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mensageiro

Foi pela TV que fui lembrado de uma dessas coisas que a gente costuma forçar-se a esquecer. Uma dessas coisas que não estão ao nosso alcance, que não podemos resolver e, até por isso, não agimos com a intensidade justa para consternante fato.

Uma reportagem da TV Globo mostrava uma complicada cidade no interior de Goiás. O nome dela não precisa ser dita, até porque outras muitas passam pelo mesmo problema da pequena Cavalcante, isso é, Cavalcante foi mostrada apenas como um exemplo de uma realidade cuja qual todos conhecem: não temos as mínimas condições de educação.

Em um quadro onde até a merenda é resultado de sacrifícios pujantes, onde o professor é um abnegado que não pode entregar garantias de que está ensinando as coisas corretas da forma correta, temos, logo de cara, na matéria, a informação estatística de que 40% da população de lá é analfabeta.

Em algumas cidades o número é ainda maior, sabemos disso. E lembre do analfabetismo funcional, isso é, o rapaz que sabe ler mas não sabe interpretar ou formular suas próprias textualizações. O analfabetismo funcional é enorme no Brasil, até mesmo na capital de São Paulo. Você consegue, então, imaginar o tamanho do analfabetismo em Cavalcante, Goiás? Eu deduzo que, de cada 10 adultos, 7 não podem ser abordados com textos, jornais, publicidade escrita. 40% são analfabetos, e 30% são funcionalmente analfabetos.

Para esses, é preciso, para que se consiga uma boa comunicação, falar. A palavra que sai da boca é a que se entende, mesmo que nem tão bem asism. É claro que você não vai, não pode, não consegue falar com os moradores de Cavalcante indo de casa em casa. Portanto, estamos falando de um território cuja informação em massa é inviável.

Ou melhor, inviável em termos pessoais. Lugares como cavalcante Costumam possuir muitas igrejas. O homem tem necessidade de comunicação em grupo. Eis uma opção, em carne, osso e milagres, na frente deles, com substância. Lugares como Cavalcante, onde os moradores não recebem informantes batendo de porta-em-porta, possuem, enfim, um único e grandioso meio de comunicação uniforme: a televisão. A Tv fala, isso é tudo.

Daí você consegue deduzir a importância de um jornalismo compromissado na telinha, o que não é o normal em empresas vinculadas a igrejas ou a Brasília. Você consegue imaginar a força de um horário político na decisão desse território, e pesa de forma diferente o fato de esse horário político ser simplesmente risível, enquadrado em regras inomináveis de distorção democrática. Daí você enxerga a grandeza do Jornal Nacional, do Big Brother, do Sílvio Santos. É o jornal, o mapa, o messias e a filosofia que o morador de Cavalcante tem ao seu alcance, seu curto e analfabeto alcance. De forma que até o culto, até o professor, em Cavalcante, não tem muita força - nem carismática nem física - de ir contra.

domingo, 10 de maio de 2009

Sonhos

Besteira essa história de sonhos perdidos. Sonhos dão cria tão fácil. Quando um se acaba, lá está outro na rabeira, querendo surgir. Se a natureza do sonho é pressupor-se impossível, então nada mais fácil que criar um do nada. Em um momento um sonho morto, em seguida, lá está! - um sonho novinho em folha. Não precisa ter cheiro, não precisa ter gosto, não precisa de nenhum suporte físico. Basta um pinguinho de imaginação. Oras, se um homem não tem imaginação suficiente pra criar um sonho novo, então talvez ele não seja um homem, seja um cachorro, e nem saiba disso. Aposto como os cachorros não tem sonho nenhum. Um cachorro não sonha escrever um livro, não sonha conhecer as ruínas gregas, não sonha criar um prato utilizando barbatana de tubarão martelo, não sonha fazer um gol de letra do meio do campo. Já as pessoas, é bom que tenham um estoque de sonhos. Alguns bem fáceis, pra dar energia enquanto se busca os mais difíceis. E é bom também que saibam aprender a desistir de um sonho quando ele se mostrar impossível demais (sim, existe impossível demais e de menos, e eu não sei porque "demais" é uma palavra só, e "de menos" são duas, mas isso não é assunto pra um parêntese, e sim pra um etmólogo qualquer decifrar). Sonhos não vão muito bem com frustrações. Aí deixa de ser sonho e passa a ser obsessão, que é muito menos bonita e poética. Nada contra que um homem tenha lá suas duas ou três obsessões na vida. Mas os sonhos, ah, esses é bom que venham aos milhares. E que todos nós morramos sem realizar nem metade deles. Assim seja.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Se eu tiver que deitar sozinho
tá ok, acho graça do sono,
vou-me até sorrindo.

Só preciso que alguém me informe
das coisas que ela fala
quando dorme.

domingo, 3 de maio de 2009

Subir, subir

Cláudio olhava, e havia nuvens no céu. Ele só pedia uma segunda chance. Um segunda benção. Não é que ele só precisasse disso, mas sim, ele só precisava disso. Olhando de fora, Cláudio precisava mesmo é de um banho, um sol no rosto, cabelo secando ao natural. Mas lá dentro dele, ele só precisava daquilo. Ás vezes o que a gente acha que precisa não é exatamente o que a gente precisa de fato, mas de tanto a gente achar que é, acaba sendo mesmo. Não sei, Cládio era confuso. A gente tenta entrar na mente dos outros, porque a mente dos outros é terreno mais conhecido do que a nossa própria. Então a gente podia ver Cláudio implorando por aquela segunda graça. O mundo ruiria sem aquilo. Mas nem sempre o deus quer que o nosso mundo cheire a amores-perfeitos. Cláudio ia ter que se virar pra conseguir o que almejava. Cláudio ia precisar de um segundo rosto, uma segunda roupagem, pra conseguir sua segunda chance. A Cláudio, agora, não bastava pedir. A solução era simples. Cláudio só precisava aprender a voar.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Não é curioso
que a bolsinha com produtos
de pele, beleza e banho
tenha, justamente,
um nome francês?
Necessaire...
A fama é justa,
nada estranho.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O enólogo

- Cheira, cheira, cheira!!
- Quê?...ah, vai se fuder, caralho!
Disse se levantando.
- Não gostou? Porra, foi bom pra cacete!
- Como assim foi bom pra cacete?
- Cara, o pior é que eu até gosto.
- Do cheiro?
- É.
- Cê gosta de cheiro de peido?
- Porra, tenho vergonha de falar. Nunca falei isso pra ninguém...
- Cê tá louco, véio?
- Porra, cê é meu camarada, acho que eu posso te falar. Não é uma coisa muito agradável de se dizer, eu sei.
- Peraí, vamos começar de novo. Cê tá falando sério?
- Tô, cara.
- ...
- Não tem gente que gosta da Ana Maria Braga? Não tem gente que gosta de jiló, quiabo, essas porras todas?
- Tem. E daí?
- É a mesma coisa.
- Mesma coisa o caralho. Você tá me dizendo que gosta de cheiro de merda.
- Não é merda. É peido. É muito diferente.
- Tá. É merda em estado gasoso. É tão diferente quanto água e gelo.
- Não é não. Eu gosto de ficar pensando nas diferentes texturas. Em quais foram as comidas e os processos químicos que resultaram naquele cheiro específico.
- Cara, cê é maluco.
- Sou não. Sabe o que eu sou, na verdade?
- Fala...
- Gosto de pensar em mim como um enólogo do peido...
- Ah, vá à merda...
- Ah, merda eu não gosto não...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Drinques

“Eu queria ter ficado lá naquela noite, mais do que qualquer coisa que eu já houvesse desejado. Mas eu sabia que não podia. Eu tinha 15 anos, eu dormia debaixo de um teto que era de meu pai, numa cama que ele havia comprado. Nada era meu, exceto meu coração, meus temores, e minha consciência de que a partir de então, nem todos os caminhos me levariam de volta pra casa”. [Kein Arnold]

Já é tecla batida, não gosto de minha cidade. Muito menos do bairro e do prédio onde eu moro. Ainda menos da porta do meu quarto, que é fina e todos ouvem o que falo e choro, e é toda rabiscada por gente que um dia escreveu pra mim e hoje talvez já não escreveria. Cada dia piora. Absolutamente tudo tem sombras, lembranças, dentro e fora de casa e de mim.

Ainda assim, quando eu fecho a porta, estou pronto pra qualquer coisa que seja só minha, tenho a autonomia, o sono e os sonhos que mereço. Encaro. E caio na real, como também mereço. Não importa o quanto eu me estresse, ao fechar a porta os bons gestos vem à tona. Não importa o quanto eu despiste, quando eu fecho a porta não posso fugir de algumas lembranças.

Meu avô, quando viúvo, quis morar na praia até morrer. Meu pai, quando separado, morou na rua, rodou o país até morrer. Nossa relação com o espaço físico está bastante ligada com o espaço sentimental. Meu tio, quando solteiro, buscou se libertar da saudade, foi parar no Paraná, onde ficou até morrer. Tenho a história de uma paranaense que, sem o namorado, fugiu pra São Paulo, onde tentou se libertar até morrer.

Seria seguro ficar no quarto. Não é mentira dizer que um homem triste leva sua tristeza consigo até pra Lua, se para lá ele for. O homem triste tampouco pensa que achará a felicidade na Lua ou mais perto de casa que isso. Cada homem triste, é triste à sua maneira. Mas provocar alguns desapegos é a maneira que a tristeza tem de tornar-se útil.

Há uma relação nova com a coragem, quando a porrada relativiza o tamanho das coisas, das casas, dos mapas. Nossos medos ganham proporções práticas. Passa a ser importante contemplar o risco, entendê-lo. Rechaçar vontades, coisas seguras. O frio-na-barriga é na pele, é físico. É bonito, é o coração finalmente tratado como o rei. Mas é, muitas vezes, trecho de alguma história de dor.

E a dor é sempre trecho de uma história maior. Que costuma ter desdobramentos inesperados, não-lineares. Assim como nossos passos deixam de seguir, viciados, pra casa, quando, em alguma altura, aprendemos a beber um drinque sozinhos.

domingo, 19 de abril de 2009

O que é e o que deveria ser


O equilíbrio é sempre tênue e frágil
A destemperança é contínua e corriqueira
E cansa como a meia maratona dos casados

Estranho, mas não dura o que é mais certo,
Sendo o certo o que é bonito;

Dura o choro e dura o grito

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O Rei

Dizem que sou especial,
um rei, um doce,
etcetera e tal.
Sei...
Imagina se eu não fosse.

domingo, 5 de abril de 2009

Um texto de mentira

Uma alegria de fachada serve. Qualquer coisa que traga um sorriso. Não é de eternidade que preciso. É de leveza e paciência. Leveza pra contrabalancear o inerente peso. Paciência pra quando o peso for mais forte. É de palavras poucas que se faz um bom poema. De bons espaços que se faz uma bela casa. De pouco em pouco que se anda o mundo inteiro. De fingimentos em fingimentos que se faz realidade. Pise no meu pé, e dê uma gargalhada. Fique triste, pra eu fingir que sou feliz, só pra que você não fique triste. Ou fique feliz, pra eu fingir que sou feliz, só pra te acompanhar. Toque uma valsa bonita, que eu vou junto. Nada mal acompanhar o que é belo. E daí se a personalidade for fraca? Se for esse o rótulo, assim seja. O que os outros pensam, se lhe afeta, é pura e simplesmente por ser extensão do que você mesmo pensa. Pensou nisso? Admitindo isso, discorde do que pensam. Discorde de si mesmo. Acredite mais numa idéia de você do que em você mesmo. Sendo essa idéia de você mesmo um objetivo inalcançável, tanto melhor. Sinal de que seu trem jamais vai parar no meio da ferrovia, porque ele ainda não chegou na estação final. E assim, vá acreditando nos sorrisos que encontrar pelo caminho, sejam eles de qualquer cor, mesmo amarelos. Misture nele a cor do seu. Pergunte aos pintores. Ou às crianças, elas sabem. A mistura das cores dá em outras cores. Misture suas cores com as cores do mundo. E que a soma dos sorrisos tristes seja maior do que a soma das tristezas veras. De resto, a esperar só da realidade, perderíamos de lavada. Imaginação, abstração, fantasia e criatividade. E nada de felizes para sempre.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Não houve briga,
tem amor, generoso,
nessa lógica errante.
Eu sei que é horroroso,
mas o fato é que a formiga
bateu no elefante.

domingo, 29 de março de 2009

Um grito pro presente

Hove sim um tempo bom
De calmaria
Agora só reina o tom
Da correria

Dormimos quase acordando
Chegamos já pra sair
Cantamos quase calando
Andamos pra não cair

Dizemos ser culpa do medo
De ficar pobre
Ou reclamos qua ainda é cedo
E o futuro é nobre

Vivemos quase morrendo
Dançamos pra não dormir
Subimos quase descendo
Rezamos em vez de ouvir

E o futuro, outrora nobre, é infinito
Nunca chega, e nem ouve o nosso grito

quinta-feira, 19 de março de 2009

Revanches

“O amor pode nos matar, pode nos separar, mas se tivermos sorte pode nos reaproximar. Às vezes o amor é inesperado e imprevisível, e às vezes você só tem que entrar com o coração. E torcer para dar certo”. (Kevin Arnold)

Há quem enxergue no verdadeiro amor a gratuidade, a generosidade, a característica de não ter dedos, de modo a não poder fechar as mãos para agarrar, ou esmurrar, ninguém. Sem substâncias, sem temperos, sem palpites. Um amor "vão", como já diria Gilberto Gil.

Ser vão não é o mesmo que ser em vão. Dormir 15 horas no sábado também vale a pena, mesmo que não seja uma necessidade acordar descansado no domingo. Ser vão é ser vazado, transparente, não alterar a paisagem. Ou mesmo ser inexistente, fabuloso, romântico de graça.

Um amor vão é humilde por isso, por ser impotente, no fim das contas. Os humildes gostariam de ser impotentes nessa medida, meros expectadores, torcedores de si.

Torcer é propor-se. É como votar no candidato que, por ventura, pode perder. Quem torce, e quem vota, torna legítimo, reconhece a existência dos lados opostos. E por reconhecer, deve aceitar a chance de estar do lado errado. Isso é jogo, e quem torce, joga mais que qualquer um.

Joga mais que todos, porque quem torce não tem cédula de votação, nem fichas de pôquer, nem nada material, nada tangível. Quem torce usa o coração e só, e mostra isso com a voz, com os olhos, com o corpo. Nada é mais visceral que a torcida por algo.

Daí o poder que a reza tem de alçar uma pessoa ao firmamento. Todos torcemos por algumas coisas das quais sequer podemos explicar. Torcer é ter fé, e são muitos que se equivocam nesse caminho. Porque não admitem o "insucesso" de terem acreditado em algo que se mostrou ter sido, para eles, em vão.

Estes tinham uma crença absoluta, que nunca saberia mesmo a hora de perder. Querem encher a própria crença como se enche um carrinho de mercado, e ignoram que o que é vão nada leva, nada entrega, pois é, por definição e missão, vazio. Esqueçam o colar de ouro, posto que o coração não tem pescoço.

Acabam dormindo melhor aqueles que assimilam que todo sacrifício não garante nenhum passo a mais em relação ao sujeito inerte que, um dia, tomou um golpe da sorte. Não há regras, nem reembolso. É um jogo. Pode estender-se infinito como um imenso monolito. Pode acabar agora.

Mas o tempo pouco importa. Importa o resultado. Afinal o que está na mesa é o seu coração. E o coração não se propõe a revanches.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Sonhos. Na verdade, só planos

“Quando somos crianças, somos um pouco de cada coisa. Artista, cientista, atleta, erudito. Às vezes parece que crescer é desistir destas coisas, uma a uma. Todos nos arrependemos por coisas das quais desistimos. Algo de que sentimos falta. De que desistimos por sermos muito preguiçosos, ou por não conseguirmos nos sobressair, ou por termos medo.” (Kevin Arnold)

Eu não desisti de alguns dos meus sonhos. Tocar piano e falar italiano, na verdade, já faz parte de minha lista excêntrica de coisas bacanas para se falar em um diálogo pretensioso.

Eu tinha sonhos mais nobres. Virei amigo de quem me era o máximo em termos profissionais. Não tem ilusões, só trabalho, cansaço e salário, sendo que a cerveja a se beber é a mesma e o que cabe de picanha em seu estômago será a mesma coisa, famoso ou anônimo.

Vejo tantos filhos tristes por aí. Outros tão saudosos. Conheço pais que perderam filhos. Queria tanto ter um filho. Não desisti. Só não é mais um plano insubordinado à vida real. E a vida real é insubordinada aos meus sonhos.

A gente vai acabar relativizando nossos sonhos, ou pelo menos alguns deles. Tem sonho que segue imaculado a vida toda. Mas nenhum é imaculável. Alguns se mostram caros demais ao coração, outros parecem não valer a pena diante do risco que se corre. Pense nos sonhos de um astronauta.

De modo que eu não tenho mais certeza dos meus sonhos. Sei que sempre os terei. Será triste não realizá-los, mas tantas coisas que muito queria já ficaram pra trás, e deu pra seguir em frente, de um jeito ou de outro.

Quando falo que deu pra seguir em frente, reconheço que não é a pleno pulmão. Fica mais difícil. Por quem foi pro céu, por quem magoou, por coisas que eu não fui capaz, tenho dias de tristeza. Mais do que de alegria.

Não sei se sonhos, planos, existem para o bem ou para o mal de nosso coração. Não dá pra ser fiel a nenhum dos lados. É perturbador, num momento de frustração, receber um sopro de esperança, uma ponta de felicidade no meio da tristeza.

O lado oposto ao que estamos sempre nos quer. O lado em que estamos é que não nos parece fazer questão. Por isso que, vendo o estrago dos sonhos que não se realizam, prefiro não saber sobre aqueles que ainda haverão de (não) acontecer.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Secreções

(por Jahba)

O peido é quente. O esperma é quase pelando. O cuspe é morno. O vômito é quentinho. O mijo é bem quente. O choro é frio. O sangue ferve. A cera pega fogo. O catarro é viscoso e de temperatura mediana. A remela é neutra. O pus é podre e sem calor. O suor é gelado. O leite aquece. O que sai das acnes o espelho dirá. O lubrificante natural da vagina é uma chama ardente. O bafo é quente. O ranho é feio e desaquecido. A merda pode ser de todos os tipos e temperaturas. A verruga é fria. O amor é quente. O ódio é frio. O ódio é quente. O amor é frio.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ensaio para o céu

“Naquela noite, falamos da vida, do tempo que passamos juntos. Talvez não fossemos mais aquelas crianças. Mas certas coisas não mudam nunca, certas coisas permanecem. E mesmo que eu não soubesse o que ia acontecer conosco, nem para onde nos dirigíamos, sabia que não podia deixar ela sair da minha vida”. (Kevin Arnold)

Eu me lembro de uma amiga. Eu já quis ficar com ela mas eu nem sabia o que era ficar, o que era amar, o que era querer. O que é querer, eu não sei ainda se sei. Tive uma outra amiga, que achava que querer de verdade tem como resultado uma obsessão que não consome, mas eleva. Essas coisas do Paulo Coelho. Bonita mesmo, nessa amiga, era a panturrilha. Lembro dela, mas é cinzenta a linha da história em que ela se distanciou.

Eu queria encontrar com ela. E com tanta gente. Porque acho meio frustrante que nossas vidas paulistanas e medíocres não se encontrem na cochia. é como um ensaio para o céu. Lá, saberei de coisas falando com quem também já morreu. Por aqui, pode ser legal falar sobre coisas que já se foram. Alguém precisa dizer pra mim que sempre soube que era eu que peidava na sala nas manhãs do ginásio.

A gente deixa pra lá algumas pessoas e coisas porque pensa que não precisaremos delas. Porque achamos que o que queremos, o que precisamos, tem começo, meio e fim na paz do momento. Depois dá saudade, mas logo aparece uma outra e nova razão para se dispor. E a disposição é mais bacana que a saudade.

Viver é ganhar pessoas, algumas delas realmente especiais. Mas são as pessoas que perdi que me fazem entender porque vivo. Me mostram a capacidade humana de ser resignado, covarde, pequeno, de se iludir. Me deixam claro que não nascemos pra sermos leais. Nascemos pra reinventar felicidades, necessidades. Não sei o que é querer. Sobretudo porque não quero isso.

Não nascemos pra querer nada de realmente importante. Temos a filosofia e a religião, elas tratam da gente enquanto sacudimos a poeira. O instinto está controlado nesse momento. E aí abrimos mão daquilo que não deveríamos abrir, isso é, se for mesmo nossa vontade sermos únicos, personais e à flor da pele.
Mas não é nossa vontade. A vida é curta, como as pílulas de efeito prático e rápido. E após cada pílula tomada e seu efeito comprovado, a vontade mesmo é de que se dane o estudo sobre o fim definitivo da dor-de-cabeça na população mundial.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Química

Por Jahba
Eu tô bem. Só preciso, deixa ver, de um relaxante muscular. É, acho que é isso. Relaxante muscular é pra relaxar, não? Preciso de um pouco de sofá da sala, um pouco de rede balançando. Não sei se relaxante muscular é pra relaxar. Na dúvida, me dá dois comprimidos. Ou melhor, na dúvida, me dá morfina. Morfina cura dor, né isso? Não, não tá doendo. Preciso de um pouco de carro correndo, de um pouco de vento na cara. Preciso de um pouco de não-saber-pronde-ir. Se não é relaxante nem morfina, do que é mesmo que eu preciso? Um tylenol. É isso que chama? Mas tylenol é tipo uma morfina mais fraca, certo? Não é isso que eu preciso não. Um valium talvez. Preciso de um pouco de coceira no pé, um pouco de areia no nariz. Não é Valium também. Talvez um colírio. Talvez eu precise de uma aspirina pra afinar meu sangue. Preciso de um pouco de água correndo, de falta de chefe, de grito pra lua. Não é aspirina que eu quero. Nem é anti-depressivo. Também não é xarope. Não preciso de vacinas. Não aprecio curativos. Acho que não preciso de químicas. Acho que preciso de alegrias.

Outra Casa

Novo Espaço para o sexto ano de Monolito.

O passado recente e nem tão recente está em www.monolitos.zip.net