domingo, 23 de agosto de 2009

Ajeitando a difícil balança dos desejos

Sem prejuízo da minha sanidade, eu quero amar. Sem ficar cego ou ficar mudo, eu quero ouvir. De cada música, uma nota que seja. A mais bonita. Ou a mais feia, a mais torta, mas que me toque. Sem ceder em nada da minha pureza, eu quero sexo. Do tipo que traz urros e arranhões, junto com risos e certezas. Sem abrir mão da minha paz, eu quero a estrada. O néctar que rodeia o mundo, mas volta sempre pro mesmo lugar. Eu quero a incerteza também, mas a incerteza que tem volta pro meu ninho. Sem abdicar de ser livre, eu quero o colo de minha mãe. Sem esquecer da minha auto-piedade, eu quero um choro precioso numa tarde qualquer. Mesmo que seja de sol. Sem deixar pra trás meu metodismo, quero a tontura de um bom álcool pelas veias. Quero a loucura, sem esquecer que eu sou menino bem criado. Sem lançar mão de hipocrisias, quero abraçar o mundo inteiro. Sem vomitar demagogia, quero ser bom, ao menos na metade do tempo. Sem negligenciar minha poesia, eu quero uma piada bem suja, uma conversa bem rasa, um filme bem não-profundo. Sem apelar pra gargalhada, eu quero um riso constante. Sem afastar as emoções, nem a verdade, eu quero ter, enfim, serenidade.

domingo, 16 de agosto de 2009

Nadador noturno

Um som de piano no ar. Os cabelos molhados, batendo na altura da terceira vértebra cervical. Os pingos, frios, escorrendo na pele que teima em estar quente, ainda assim. É a noite. É o reflexo da lua. É a matéria abstrata da melodia, incomparável, pois nada pode ser tão bonito quanto o que não se toca. A árvore frondosa pertence ao chão em que está enraizada. O quadro pertence à parede em que se fixa, pra que fique visível a nossos olhos. A melodia pertence ao mundo. Pertence ao vento, quem sabe. A cabeça agora se debate, como o corpo de um cachorro após o banho, pra que os pingos ganhem vida, numa tempestade mansa. Olhos fechados pro mergulho. A escuridão é quase total. Mas está lá o sol, do outro lado do mundo, ajudando a enxergar por aqui do jeito mais bonito, pois que sem tanta precisão, sem que precise ofuscar. Um corpo nu brinca na água, do modo mais puro, retrodevolvido ao ventre materno. E se arrepia, mas não é frio, nem medo. É só a emoção do reencontro. É só um corpo, deposto das roupas, chorando por ser outra vez o que foi desde sempre. E nada, desengonçado como deve ser na água um corpo sem guelras ou natatórias. Um corpo humano, na água, no quase-breu. É só isso que ele é. E brinca, enquanto faz poesia sem saber.

* Depois de ouvir "Nightswimming" do R.E.M.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Fotos da Minha Vida - 2

Capítulo 2. Estou eu no meio de uma turma. Eram fisioterapeutas. Depois era uma turma de relaxamento corporal. Acabou sendo uma equipe de teatro. Este é o fim de uma das apresentações.




A Peça, escrita e dirigida por mim, que também atuei, era um musical, com deficientes mentais inclusos, que passava mensagens de superação, luta contra preconceito e rabiscava a real missão d eum fisioterapeuta.

Não sou fisioterapeuta. Fui adotado por esta turma, quase toda de mulheres, para que eu pudesse viver ao menos uma grande história nos meus tempos desempregados e solteiros de faculdade.

Eu queria ter cortado o cabelo. ter comprado uma calça preta menos apertada. A bata branca era emprestada. Não lembro mais o nome de mais da metade dessas pessoas. Nunca soube onde moravam, exceto tês ou quatro. E no entanto fui tão íntimo de cada uma delas que não posso nem medir.

Este era o desfecho. O desfecho de algo que nunca se repetiu. Foram 4 apresentações, mais 2 ensaios gerais, nesse mesmo dia. Saí rouco, fedido, e com a leve impressão de que nunca fui tão feliz por causa de uma realização própria.

Era um Leandro possível, esse do teatro. É um Leandro que sempre insinua-se para renascer. E de certo irá. Minha mãe sorria nesse dia de um jeito que não esqueço. Quero ver aquele sorriso de novo. São poucas as coisas que eu consigo proporcionar à ela.

E diante dessa foto e dessa lembrança, a verdade é que proporciono poucas coisas para mim mesmo. Depois dessas apresentações, o grupo se desfez. Minha única tatuagem nasceu em função disso. Uma lembrança para quando eu ficar velhinho e não lembrar mais tão claramente de cada ato.

Num tempo em que envelheço de forma tão acelerada, ver essa foto me deixa 5 minutos mais novo.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Coisa breve

Pai,
Passei este domingo em ressaca e trabalho. Trabalhando de ressaca. você faria 55 anos neste domingo.

A mensagem vai ser breve. Muita coisa haveria de acontecer se tua cara turca não tivesse se envergonhado cedo demais. Seja como for, tudo aconteceu. "Come back to me", foi a última coisa que você falou pra minha mãe, sua mulher. A última que você falou pra mim, eu não lembro. "Fiquei longe mas sempre te amei e sempre amei tua mãe", você disse. "A pista de Portugal se chama Estoril? Como você sabe?", você também falou. Meu nome foi escolha sua. Homem-Leão. Tenho sido uma fera. Só não sei se serei rei de alguma selva. Nunca somos, no fim, eu acho. Sempre entendi seus erros como coisas tão humanas. Cada dia entendo mais. Não faria muita diferença no curso final das coisas.

Não era pra nada não. Era só pra não passar em branco. 55 anos parece ser uma idade diferentona, cabalística. Todavia, você fez uma senhora falta.

Em frente,
Leandro

domingo, 2 de agosto de 2009

Pouco mais de quatro meses

Bill tem coisas bonitas. Ano passado ele me disse que era seu ano da emoção. Coisas de Bill, quem quiser entender, que entenda, quem não quiser que o chame de louco, ou coisa assim. Mas é interessante essa idéia, de fazer com que essa divisão de tempo que a gente criou sirva pra alguma coisa.
Este acho que é meu ano de filmes. Não foi pensado, nem nada. Foi natural, e não sei por qual confluência de fatores. Eu sou um louco que anota todos os filmes que vê desde 11/04/1996. De lá pra cá foram 1637, até hoje, domingo, 02/08/2009. Claro, sem contar os filmes que revi, que não me dou ao trabalho de anotar. Só valem filmes inéditos, ou que eu tenha visto antes da data inicial da lista. Só neste ano já foram 144. Desde que comecei com esse catálogo, o ano em que mais vi filmes foi 1997. Foram 161 filmes. Ou seja, 2009 corre a passos largos pra entrar pra história do mundo como o ano em que mais vi filmes.
Até 22/08/2007 eu ainda anotava os filmes em um antigo objeto chamado caderno, com a ajuda de um raro artefato chamado caneta. Desta data pra cá passei tudo para um programa de computador, que facilita em muito a vida. Já tinham inventado o computador antes de 2007, mas eu sou uma pessoa conservadora em alguns aspectos. Demorei a me render. O fato é que esse programa cataloga os filmes de forma muito mais rápida, puxando as fichas técnicas diretamente da internet, o que me economiza trabalho. Com isso, tenho tempo pra fazer uma pequena análise de cada filme, coisa que faço sem muito capricho. Portanto esse ano já escrevi 144 pequenos comentários sobre os filmes. Talvez isso explique também um pouco o porquê de eu não estar escrevendo tanto por aqui, por este blog. Talvez. De qualquer forma, não acho que os textos sejam elaborados o suficiente para que eu os publique. Mas não é isso que queria dizer. Queria dizer que o tal programa também tem umas ferramentas supimpas. Descobri há pouco que uma delas soma o tempo total dos filmes que já assisti. Descobri então, um pouco pasmado, que passei 125 dias, 17 horas e 30 minutos da minha vida vendo filmes, desde 11 de abril de 1996. São mais de quatro meses ininterruptos. Não sei o que isso implica, mas tentarei voltar ao assunto em um próximo texto, já que este já está grande demais. Faz tempo que não escrevo, mas ainda sei que texto muito grande não combina com um blog...