quinta-feira, 28 de maio de 2009

Táctil

Fica assim.
Eu, nada convicto,
te sugiro dizer "sim",
só pra que tenhas opção.
É ruim, muito ruim,
só poder chegar ao "não".

Tendo escolha,
diga o que disser.
Lance o garfo, use colher,
beba, rosqueie a tampa
se não for rolha.

Você quer tocar sua vida.
Ser mais livre, mais leve,
fugir do fútil.
Tenho desejos mais breves.
Quero tocar sua vida
no sentido táctil.

Se eu triste atravancava,
era um imundo cansado
de tanto pranto,
feliz, sozinho ou casado,
te quero o tanto quanto.
E que seja o que faltava.

domingo, 24 de maio de 2009

Soneto de um fado antigo

A carícia de uma canção
Ecoando na voz cansada
É o choro de um coração
Onde antes não havia nada

Um olhar brilhando na luz
É um verso nascendo novo
Qual Jesus pregado na cruz
Escreveu pra todo seu povo

E escrever assim, sem palavras
Não é coisa pra qualquer um
É um truque de quem tem asas

De quem não tem medo nenhum
Pois cantando assim à voz rouca
Pões serena a moça mais louca

domingo, 17 de maio de 2009

Amor e estrada

E de verde, os pássaros
Aos montes, cantantes
E de verde, os montes
Aos tantos, aos montes
E de frio, as nuvens
Às tantas, as brancas
E de frio, as ruas
Ao vento, relento
E nós dois, à Lua
À lã, às três blusas
E nós dois, sozinhos
E aos montes, e aos verdes

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mensageiro

Foi pela TV que fui lembrado de uma dessas coisas que a gente costuma forçar-se a esquecer. Uma dessas coisas que não estão ao nosso alcance, que não podemos resolver e, até por isso, não agimos com a intensidade justa para consternante fato.

Uma reportagem da TV Globo mostrava uma complicada cidade no interior de Goiás. O nome dela não precisa ser dita, até porque outras muitas passam pelo mesmo problema da pequena Cavalcante, isso é, Cavalcante foi mostrada apenas como um exemplo de uma realidade cuja qual todos conhecem: não temos as mínimas condições de educação.

Em um quadro onde até a merenda é resultado de sacrifícios pujantes, onde o professor é um abnegado que não pode entregar garantias de que está ensinando as coisas corretas da forma correta, temos, logo de cara, na matéria, a informação estatística de que 40% da população de lá é analfabeta.

Em algumas cidades o número é ainda maior, sabemos disso. E lembre do analfabetismo funcional, isso é, o rapaz que sabe ler mas não sabe interpretar ou formular suas próprias textualizações. O analfabetismo funcional é enorme no Brasil, até mesmo na capital de São Paulo. Você consegue, então, imaginar o tamanho do analfabetismo em Cavalcante, Goiás? Eu deduzo que, de cada 10 adultos, 7 não podem ser abordados com textos, jornais, publicidade escrita. 40% são analfabetos, e 30% são funcionalmente analfabetos.

Para esses, é preciso, para que se consiga uma boa comunicação, falar. A palavra que sai da boca é a que se entende, mesmo que nem tão bem asism. É claro que você não vai, não pode, não consegue falar com os moradores de Cavalcante indo de casa em casa. Portanto, estamos falando de um território cuja informação em massa é inviável.

Ou melhor, inviável em termos pessoais. Lugares como cavalcante Costumam possuir muitas igrejas. O homem tem necessidade de comunicação em grupo. Eis uma opção, em carne, osso e milagres, na frente deles, com substância. Lugares como Cavalcante, onde os moradores não recebem informantes batendo de porta-em-porta, possuem, enfim, um único e grandioso meio de comunicação uniforme: a televisão. A Tv fala, isso é tudo.

Daí você consegue deduzir a importância de um jornalismo compromissado na telinha, o que não é o normal em empresas vinculadas a igrejas ou a Brasília. Você consegue imaginar a força de um horário político na decisão desse território, e pesa de forma diferente o fato de esse horário político ser simplesmente risível, enquadrado em regras inomináveis de distorção democrática. Daí você enxerga a grandeza do Jornal Nacional, do Big Brother, do Sílvio Santos. É o jornal, o mapa, o messias e a filosofia que o morador de Cavalcante tem ao seu alcance, seu curto e analfabeto alcance. De forma que até o culto, até o professor, em Cavalcante, não tem muita força - nem carismática nem física - de ir contra.

domingo, 10 de maio de 2009

Sonhos

Besteira essa história de sonhos perdidos. Sonhos dão cria tão fácil. Quando um se acaba, lá está outro na rabeira, querendo surgir. Se a natureza do sonho é pressupor-se impossível, então nada mais fácil que criar um do nada. Em um momento um sonho morto, em seguida, lá está! - um sonho novinho em folha. Não precisa ter cheiro, não precisa ter gosto, não precisa de nenhum suporte físico. Basta um pinguinho de imaginação. Oras, se um homem não tem imaginação suficiente pra criar um sonho novo, então talvez ele não seja um homem, seja um cachorro, e nem saiba disso. Aposto como os cachorros não tem sonho nenhum. Um cachorro não sonha escrever um livro, não sonha conhecer as ruínas gregas, não sonha criar um prato utilizando barbatana de tubarão martelo, não sonha fazer um gol de letra do meio do campo. Já as pessoas, é bom que tenham um estoque de sonhos. Alguns bem fáceis, pra dar energia enquanto se busca os mais difíceis. E é bom também que saibam aprender a desistir de um sonho quando ele se mostrar impossível demais (sim, existe impossível demais e de menos, e eu não sei porque "demais" é uma palavra só, e "de menos" são duas, mas isso não é assunto pra um parêntese, e sim pra um etmólogo qualquer decifrar). Sonhos não vão muito bem com frustrações. Aí deixa de ser sonho e passa a ser obsessão, que é muito menos bonita e poética. Nada contra que um homem tenha lá suas duas ou três obsessões na vida. Mas os sonhos, ah, esses é bom que venham aos milhares. E que todos nós morramos sem realizar nem metade deles. Assim seja.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Se eu tiver que deitar sozinho
tá ok, acho graça do sono,
vou-me até sorrindo.

Só preciso que alguém me informe
das coisas que ela fala
quando dorme.

domingo, 3 de maio de 2009

Subir, subir

Cláudio olhava, e havia nuvens no céu. Ele só pedia uma segunda chance. Um segunda benção. Não é que ele só precisasse disso, mas sim, ele só precisava disso. Olhando de fora, Cláudio precisava mesmo é de um banho, um sol no rosto, cabelo secando ao natural. Mas lá dentro dele, ele só precisava daquilo. Ás vezes o que a gente acha que precisa não é exatamente o que a gente precisa de fato, mas de tanto a gente achar que é, acaba sendo mesmo. Não sei, Cládio era confuso. A gente tenta entrar na mente dos outros, porque a mente dos outros é terreno mais conhecido do que a nossa própria. Então a gente podia ver Cláudio implorando por aquela segunda graça. O mundo ruiria sem aquilo. Mas nem sempre o deus quer que o nosso mundo cheire a amores-perfeitos. Cláudio ia ter que se virar pra conseguir o que almejava. Cláudio ia precisar de um segundo rosto, uma segunda roupagem, pra conseguir sua segunda chance. A Cláudio, agora, não bastava pedir. A solução era simples. Cláudio só precisava aprender a voar.