domingo, 29 de março de 2009

Um grito pro presente

Hove sim um tempo bom
De calmaria
Agora só reina o tom
Da correria

Dormimos quase acordando
Chegamos já pra sair
Cantamos quase calando
Andamos pra não cair

Dizemos ser culpa do medo
De ficar pobre
Ou reclamos qua ainda é cedo
E o futuro é nobre

Vivemos quase morrendo
Dançamos pra não dormir
Subimos quase descendo
Rezamos em vez de ouvir

E o futuro, outrora nobre, é infinito
Nunca chega, e nem ouve o nosso grito

quinta-feira, 19 de março de 2009

Revanches

“O amor pode nos matar, pode nos separar, mas se tivermos sorte pode nos reaproximar. Às vezes o amor é inesperado e imprevisível, e às vezes você só tem que entrar com o coração. E torcer para dar certo”. (Kevin Arnold)

Há quem enxergue no verdadeiro amor a gratuidade, a generosidade, a característica de não ter dedos, de modo a não poder fechar as mãos para agarrar, ou esmurrar, ninguém. Sem substâncias, sem temperos, sem palpites. Um amor "vão", como já diria Gilberto Gil.

Ser vão não é o mesmo que ser em vão. Dormir 15 horas no sábado também vale a pena, mesmo que não seja uma necessidade acordar descansado no domingo. Ser vão é ser vazado, transparente, não alterar a paisagem. Ou mesmo ser inexistente, fabuloso, romântico de graça.

Um amor vão é humilde por isso, por ser impotente, no fim das contas. Os humildes gostariam de ser impotentes nessa medida, meros expectadores, torcedores de si.

Torcer é propor-se. É como votar no candidato que, por ventura, pode perder. Quem torce, e quem vota, torna legítimo, reconhece a existência dos lados opostos. E por reconhecer, deve aceitar a chance de estar do lado errado. Isso é jogo, e quem torce, joga mais que qualquer um.

Joga mais que todos, porque quem torce não tem cédula de votação, nem fichas de pôquer, nem nada material, nada tangível. Quem torce usa o coração e só, e mostra isso com a voz, com os olhos, com o corpo. Nada é mais visceral que a torcida por algo.

Daí o poder que a reza tem de alçar uma pessoa ao firmamento. Todos torcemos por algumas coisas das quais sequer podemos explicar. Torcer é ter fé, e são muitos que se equivocam nesse caminho. Porque não admitem o "insucesso" de terem acreditado em algo que se mostrou ter sido, para eles, em vão.

Estes tinham uma crença absoluta, que nunca saberia mesmo a hora de perder. Querem encher a própria crença como se enche um carrinho de mercado, e ignoram que o que é vão nada leva, nada entrega, pois é, por definição e missão, vazio. Esqueçam o colar de ouro, posto que o coração não tem pescoço.

Acabam dormindo melhor aqueles que assimilam que todo sacrifício não garante nenhum passo a mais em relação ao sujeito inerte que, um dia, tomou um golpe da sorte. Não há regras, nem reembolso. É um jogo. Pode estender-se infinito como um imenso monolito. Pode acabar agora.

Mas o tempo pouco importa. Importa o resultado. Afinal o que está na mesa é o seu coração. E o coração não se propõe a revanches.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Sonhos. Na verdade, só planos

“Quando somos crianças, somos um pouco de cada coisa. Artista, cientista, atleta, erudito. Às vezes parece que crescer é desistir destas coisas, uma a uma. Todos nos arrependemos por coisas das quais desistimos. Algo de que sentimos falta. De que desistimos por sermos muito preguiçosos, ou por não conseguirmos nos sobressair, ou por termos medo.” (Kevin Arnold)

Eu não desisti de alguns dos meus sonhos. Tocar piano e falar italiano, na verdade, já faz parte de minha lista excêntrica de coisas bacanas para se falar em um diálogo pretensioso.

Eu tinha sonhos mais nobres. Virei amigo de quem me era o máximo em termos profissionais. Não tem ilusões, só trabalho, cansaço e salário, sendo que a cerveja a se beber é a mesma e o que cabe de picanha em seu estômago será a mesma coisa, famoso ou anônimo.

Vejo tantos filhos tristes por aí. Outros tão saudosos. Conheço pais que perderam filhos. Queria tanto ter um filho. Não desisti. Só não é mais um plano insubordinado à vida real. E a vida real é insubordinada aos meus sonhos.

A gente vai acabar relativizando nossos sonhos, ou pelo menos alguns deles. Tem sonho que segue imaculado a vida toda. Mas nenhum é imaculável. Alguns se mostram caros demais ao coração, outros parecem não valer a pena diante do risco que se corre. Pense nos sonhos de um astronauta.

De modo que eu não tenho mais certeza dos meus sonhos. Sei que sempre os terei. Será triste não realizá-los, mas tantas coisas que muito queria já ficaram pra trás, e deu pra seguir em frente, de um jeito ou de outro.

Quando falo que deu pra seguir em frente, reconheço que não é a pleno pulmão. Fica mais difícil. Por quem foi pro céu, por quem magoou, por coisas que eu não fui capaz, tenho dias de tristeza. Mais do que de alegria.

Não sei se sonhos, planos, existem para o bem ou para o mal de nosso coração. Não dá pra ser fiel a nenhum dos lados. É perturbador, num momento de frustração, receber um sopro de esperança, uma ponta de felicidade no meio da tristeza.

O lado oposto ao que estamos sempre nos quer. O lado em que estamos é que não nos parece fazer questão. Por isso que, vendo o estrago dos sonhos que não se realizam, prefiro não saber sobre aqueles que ainda haverão de (não) acontecer.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Secreções

(por Jahba)

O peido é quente. O esperma é quase pelando. O cuspe é morno. O vômito é quentinho. O mijo é bem quente. O choro é frio. O sangue ferve. A cera pega fogo. O catarro é viscoso e de temperatura mediana. A remela é neutra. O pus é podre e sem calor. O suor é gelado. O leite aquece. O que sai das acnes o espelho dirá. O lubrificante natural da vagina é uma chama ardente. O bafo é quente. O ranho é feio e desaquecido. A merda pode ser de todos os tipos e temperaturas. A verruga é fria. O amor é quente. O ódio é frio. O ódio é quente. O amor é frio.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ensaio para o céu

“Naquela noite, falamos da vida, do tempo que passamos juntos. Talvez não fossemos mais aquelas crianças. Mas certas coisas não mudam nunca, certas coisas permanecem. E mesmo que eu não soubesse o que ia acontecer conosco, nem para onde nos dirigíamos, sabia que não podia deixar ela sair da minha vida”. (Kevin Arnold)

Eu me lembro de uma amiga. Eu já quis ficar com ela mas eu nem sabia o que era ficar, o que era amar, o que era querer. O que é querer, eu não sei ainda se sei. Tive uma outra amiga, que achava que querer de verdade tem como resultado uma obsessão que não consome, mas eleva. Essas coisas do Paulo Coelho. Bonita mesmo, nessa amiga, era a panturrilha. Lembro dela, mas é cinzenta a linha da história em que ela se distanciou.

Eu queria encontrar com ela. E com tanta gente. Porque acho meio frustrante que nossas vidas paulistanas e medíocres não se encontrem na cochia. é como um ensaio para o céu. Lá, saberei de coisas falando com quem também já morreu. Por aqui, pode ser legal falar sobre coisas que já se foram. Alguém precisa dizer pra mim que sempre soube que era eu que peidava na sala nas manhãs do ginásio.

A gente deixa pra lá algumas pessoas e coisas porque pensa que não precisaremos delas. Porque achamos que o que queremos, o que precisamos, tem começo, meio e fim na paz do momento. Depois dá saudade, mas logo aparece uma outra e nova razão para se dispor. E a disposição é mais bacana que a saudade.

Viver é ganhar pessoas, algumas delas realmente especiais. Mas são as pessoas que perdi que me fazem entender porque vivo. Me mostram a capacidade humana de ser resignado, covarde, pequeno, de se iludir. Me deixam claro que não nascemos pra sermos leais. Nascemos pra reinventar felicidades, necessidades. Não sei o que é querer. Sobretudo porque não quero isso.

Não nascemos pra querer nada de realmente importante. Temos a filosofia e a religião, elas tratam da gente enquanto sacudimos a poeira. O instinto está controlado nesse momento. E aí abrimos mão daquilo que não deveríamos abrir, isso é, se for mesmo nossa vontade sermos únicos, personais e à flor da pele.
Mas não é nossa vontade. A vida é curta, como as pílulas de efeito prático e rápido. E após cada pílula tomada e seu efeito comprovado, a vontade mesmo é de que se dane o estudo sobre o fim definitivo da dor-de-cabeça na população mundial.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Química

Por Jahba
Eu tô bem. Só preciso, deixa ver, de um relaxante muscular. É, acho que é isso. Relaxante muscular é pra relaxar, não? Preciso de um pouco de sofá da sala, um pouco de rede balançando. Não sei se relaxante muscular é pra relaxar. Na dúvida, me dá dois comprimidos. Ou melhor, na dúvida, me dá morfina. Morfina cura dor, né isso? Não, não tá doendo. Preciso de um pouco de carro correndo, de um pouco de vento na cara. Preciso de um pouco de não-saber-pronde-ir. Se não é relaxante nem morfina, do que é mesmo que eu preciso? Um tylenol. É isso que chama? Mas tylenol é tipo uma morfina mais fraca, certo? Não é isso que eu preciso não. Um valium talvez. Preciso de um pouco de coceira no pé, um pouco de areia no nariz. Não é Valium também. Talvez um colírio. Talvez eu precise de uma aspirina pra afinar meu sangue. Preciso de um pouco de água correndo, de falta de chefe, de grito pra lua. Não é aspirina que eu quero. Nem é anti-depressivo. Também não é xarope. Não preciso de vacinas. Não aprecio curativos. Acho que não preciso de químicas. Acho que preciso de alegrias.

Outra Casa

Novo Espaço para o sexto ano de Monolito.

O passado recente e nem tão recente está em www.monolitos.zip.net