sábado, 19 de setembro de 2009

29 de fevereiro

Logo ao acordar, fui comprar pastéis, falei ao telefone com meu primo, e abri conta numa nova locadora de filmes. Dei boas risadas por esquecer de pagar os pastéis. A balconista da locadora se chama Ana Paula.

Foi um dia inesquecível. Joguei futebol e fiz o gol do meu time, além de ver meu melhor amigo. Do campo pro trabalho, e como é bom lembrar que, seja o que for, trabalho com o que sempre sonhei, e até parece que meus planos eram mesmo infalíveis.

Tive um presente de noite, por poder jantar com minha mãe, com meu padrinho, sem me preocupar com nada. Era aniversário de morte do meu avô, mas isso na verdade me esquenta por dentro. Um amigo do Rio me liga, está por aqui e quer me ver.

Pessoas querem me ver! Furei. É bom ter com quem furar. Até parece que sou atarefado. Comi o que mais gosto de comer. Nesse fim de semana o Palmeiras não joga, e faz algum tempo que eu nem queria mesmo.

Em casa, me peguei assistindo ao filme que aluguei, e a mãe, e o padrinho, e a cã, todos dormindo leves ao meu redor. Me enxerguei saudável, jovem, e com um dia perfeito, e feito por mim, não pelo acaso, encerrado.

O filme mostrava uma vida caótica de um menino bom. Que passa um ano no hospício e só assim é capaz de chorar com uma vista bonita. Sabe, eu posso não causar emoções arrebatadoras na vida dos outros, tampouco causo na minha.

Mas é que eu sou só isso mesmo. Devia ter nascido num 29 de fevereiro. Por um momento está tudo perfeito, embora minha grana não me permita uma viagem prometida e meu trabalho me impeça de isso ou aquilo, pouca coisa.

Por um dia. Não sou de fases longas. Sou de dias. Um aqui, outro lá. Hoje foi um baita dia. No além e na terra, no campo e na sala de casa. Na cabeça e no coração. Mas esses baitas dias sofrem aquilo que você sabe: a desaceleração.

Quando eles terminam eu sento na cama e desacelero. E sinto uma dor traumatizante. A desaceleração de um dia é um dejavú de minha vida. Resumidamente, o dia acaba e eu estou sozinho.

Não que isso seja um problema. Mas é, quando tu te faltas a ti mesmo. Nunca gostei de ir dormir, porque é a hora da solidão completa. Mas entre um tênis e outro que tiro do pé, noto que toda essa perfeição não me conquista.

Falta algo que não se explica. E não sinto isso em desespero, ou chorando, ou pedindo a deus pra ser diferente. Eu constato, seco, e só.

O dia poderia ter sido muito pior, contanto que eu não sentisse isso sempre que fosse tirar as meias dos pés. Eu trocaria.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Setembro

Chegou setembro. Hora de achar uma hora pra passar na minha rua e visitar a amoreira que plantei em frente à antiga casa. Me sinto um insensível se deixo passar um ano sem visitá-la, mas sou insensível de toda forma, porque nunca desci do carro nas visitas.

O asfalto não vai ser como era se eu pisá-lo agora. Se eu acender um cigarro e contemplar, nada há de acontecer com o palato que sente aquelas amoras tão mortalmente reais em dias impossíveis.

Mas eu poderia, claro, ao menos olhar pra ela, ou pra sombra dela. Espiar o portão da Dona Terezinha, talvez tentar saber se ela está viva. Não deve estar. Nem os sonhos do neto dela, de ser piloto de avião. A amoreira, entretanto, aparentemente está viva e saudável.

Lembro que plantei. Reguei. Dona terezinha ensinou. Depois disso me foge qualquer lembrança, até que eu apareça já grandinho. Ela era a marca, a estrela da rua. Nunca paguei um centavo para ter amoras. Ela me servia. Como serviu a centenas, milhares, velhos e crianças.

Eu poderia descer do carro, correr e subir nela. Encher as mãos de amoras. Não faço, porque sei que a vida já ficou previsível demais pra mim. Tudo morre um pouco quando você encontra numa prateleira.

Não subo na amoreira porque não vai ser divertido como era.

Mas também não posso esquecê-la.

Não posso ser curioso sobre o que já perdeu a magia.

Já já chega dezembro, e sinto o mesmo com o mar que um dia mergulhei.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Afavordições

E por sobre as lágrimas, concreto
Fechando a fonte das tristezas
E por sobre as dúvidas, decretos
Pintando tudo com certezas

E por sobre os risos, os martelos
Estraçalhando as ilusões
E por sobre os sinos, violoncelos
Melancolizando as emoções

E por sobre nós, nada de novo
O mesmo sol e a mesma lua
E por sobre vós, nenhum socorro

Nenhuma polícia em vossa rua
Sobre nós todos a mesma contradição
A mesma vontade de afirmar dizendo não